Relação entre o Uso de Antibióticos e o Transtorno do Espectro Autista (TEA)
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits na comunicação social e por padrões de comportamento restritos e repetitivos, conforme descrito no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5) da American Psychiatric Association (APA, 2013). Sua etiologia é multifatorial, envolvendo uma complexa interação entre fatores genéticos e ambientais, os quais influenciam o risco e a expressão clínica do transtorno. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento de etiologia multifatorial, envolvendo tanto fatores genéticos quanto ambientais.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por prejuízos na comunicação e interação social, além da presença de padrões repetitivos de comportamento. De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2023), a incidência do TEA é de aproximadamente 1 em cada 36 crianças nos Estados Unidos, evidenciando um aumento significativo nas últimas décadas.
A etiologia do TEA é complexa e multifatorial, englobando tanto fatores genéticos quanto ambientais. Entre os fatores ambientais, destaca-se o uso de antibióticos, que pode influenciar o neurodesenvolvimento ao impactar a microbiota intestinal. Estudos recentes indicam que alterações na microbiota intestinal nos primeiros anos de vida podem afetar a comunicação entre o intestino e o cérebro, potencialmente modulando a expressão de características autistas.
Diante desse contexto, este estudo tem como objetivo investigar a relação entre o uso de antibióticos e o desenvolvimento do TEA, analisando as evidências científicas disponíveis e discutindo os possíveis mecanismos envolvidos.
Base Genética do TEA
Estudos de gêmeos e famílias indicam que o TEA possui uma herdabilidade elevada, variando entre 50% e 90% (Sandin et al., 2017). A contribuição genética envolve tanto variantes comuns de pequeno efeito (SNPs) quanto mutações raras e de grande impacto, como mutações de novo e variações no número de cópias (CNVs) em genes envolvidos no neurodesenvolvimento (Satterstrom et al., 2020).
Diversos genes foram implicados no TEA, incluindo:
- SHANK3, envolvido na formação e manutenção das sinapses excitatórias;
- SCN2A, que codifica canais de sódio essenciais para a excitabilidade neuronal;
- CHD8, um regulador epigenético associado ao desenvolvimento do cérebro.
Além disso, mutações em genes específicos podem levar a formas sindrômicas do TEA, como na Síndrome do X Frágil (FMR1), Síndrome de Rett (MECP2) e esclerose tuberosa (TSC1/TSC2) (De Rubeis et al., 2014).
O TEA é uma condição hereditária complexa. Em alguns casos, mutações gênicas associadas ao autismo surgem esporadicamente nos gametas dos pais, enquanto em outros casos há a herança de pequenas mutações de múltiplos genes que, em combinação, aumentam a suscetibilidade ao transtorno. Estudos genéticos revelam que centenas de genes podem estar envolvidos, impactando processos celulares cruciais durante o desenvolvimento do cérebro.
Entre os genes associados ao TEA, destacam-se aqueles relacionados à formação de sinapses e ao desenvolvimento do córtex cerebral. Alterações nesses genes podem comprometer a conectividade neuronal, contribuindo para os déficits característicos do transtorno.
Fatores Ambientais
A discussão sobre fatores ambientais apresenta diversas influências potenciais, como complicações perinatais e exposição a substâncias tóxicas. A inclusão do uso de antibióticos é pertinente, mas poderia ser aprofundada, discutindo mecanismos biológicos específicos.
Estudos demonstram que o uso de antibióticos nos primeiros anos de vida pode impactar significativamente a microbiota intestinal, um componente essencial para o desenvolvimento neurocognitivo. Alterações na microbiota podem levar a desequilíbrios na produção de neurotransmissores como serotonina e GABA, afetando processos de neuroplasticidade (KOH et al., 2016). Além disso, pesquisas longitudinais indicam que a exposição precoce a antibióticos pode estar associada a um maior risco de desenvolvimento de TEA, devido à interferência na maturação do sistema imunológico e na integridade da barreira hematoencefálica (SHARON et al., 2019).
A relação entre antibióticos, microbiota intestinal e possíveis efeitos neurobiológicos, incluindo uma potencial associação com Transtorno do Espectro Autista (TEA), tem sido um campo crescente de estudo. Abaixo, apresento um resumo detalhado, baseado em evidências científicas, sobre como diferentes classes de antibióticos podem influenciar a microbiota intestinal e, indiretamente, a neurobiologia.
Relação entre Antibióticos, Microbiota e Neurobiologia
Classe de Antibiótico | Mecanismo de Ação | Impacto na Microbiota Intestinal | Possível Relação com TEA e Neurobiologia |
Beta-lactâmicos (penicilinas, cefalosporinas, carbapenêmicos) | Inibição da síntese da parede celular bacteriana | Redução significativa de bactérias benéficas como Bifidobacterium e Lactobacillus | Pode aumentar a permeabilidade intestinal (leaky gut), permitindo a translocação de metabólitos bacterianos que ativam o sistema imunológico e promovem neuroinflamação. |
Macrolídeos (azitromicina, eritromicina, claritromicina) | Inibição da síntese proteica bacteriana (subunidade 50S do ribossomo) | Alteração da fermentação microbiana e da produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) como butirato e propionato | Propionato em excesso pode afetar a neurotransmissão glutamatérgica e GABAérgica, promovendo um estado de hiperexcitabilidade neural associado ao TEA. |
Tetraciclinas (doxiciclina, minociclina) | Inibição da síntese proteica (subunidade 30S do ribossomo) | Afeta a diversidade bacteriana, reduzindo a produção de serotonina (95% da serotonina corporal é sintetizada no intestino) | Mudanças na serotonina intestinal podem afetar o desenvolvimento neurológico e o comportamento social, ambos impactados no TEA. |
Fluoroquinolonas (ciprofloxacino, levofloxacino) | Inibição das enzimas DNA girase e topoisomerase IV, essenciais para a replicação do DNA bacteriano | Causa disbiose severa, eliminando grandes grupos bacterianos e favorecendo o crescimento de patógenos oportunistas | Pode afetar a neurogênese e a plasticidade sináptica, promovendo neuroinflamação e aumentando o risco de alterações no neurodesenvolvimento. |
Explicação dos Mecanismos
- Permeabilidade intestinal aumentada (“Leaky Gut”)
- A destruição da microbiota protetora pode comprometer a barreira intestinal, permitindo que toxinas bacterianas, como lipopolissacarídeos (LPS), entrem na circulação sanguínea e atinjam o cérebro, ativando respostas inflamatórias e alterando circuitos neurais.
- Disbiose e Produção de Metabólitos Neuroativos
- A microbiota intestinal regula a produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), triptofano (precursor da serotonina) e GABA.
- Antibióticos podem reduzir a produção desses metabólitos, afetando a neurotransmissão e o comportamento social.
- Neuroinflamação e Ativação da Microglia
- Estudos indicam que a disbiose intestinal pode levar à ativação da microglia, promovendo neuroinflamação crônica – um fenômeno observado em indivíduos com TEA.
Conclusão e Implicações Clínicas
- Antibióticos afetam significativamente a microbiota intestinal, podendo impactar a neurobiologia e o desenvolvimento cerebral.
- A exposição precoce e prolongada a antibióticos pode aumentar o risco de alterações no neurodesenvolvimento.
- O uso racional de antibióticos, especialmente na infância, deve ser priorizado para minimizar efeitos colaterais neurológicos potenciais.
A partir dessas evidências, torna-se essencial a realização de novos estudos que avaliem o impacto de diferentes regimes terapêuticos com antibióticos na primeira infância e sua relação com o desenvolvimento do TEA. Recomenda-se que futuras pesquisas considerem aspectos como duração do tratamento, dose utilizada e idade de exposição, a fim de compreender melhor as implicações dessas intervenções na neurobiologia do autismo.
Estudos indicam que complicações perinatais, idade avançada dos pais (especialmente paterna), exposição a infecções, pesticidas e fatores nutricionais podem estar envolvidos. Além disso, há evidências que sugerem que o uso materno de antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) durante a gestação pode aumentar a probabilidade de desenvolvimento do transtorno. Sendo assim, embora a base genética seja determinante, fatores ambientais também desempenham um papel crítico, principalmente durante o desenvolvimento fetal e neonatal. Entre os fatores de risco estudados, destacam-se:
- Complicações gestacionais e perinatais: prematuridade, hipóxia e infecções maternas (Brown & Derkits, 2010);
- Exposição a substâncias químicas: poluentes ambientais, pesticidas e metais pesados (Rossignol, Genuis & Frye, 2014);
- Idade parental avançada, especialmente paterna, associada a um aumento na taxa de mutações de novo (Reichenberg et al., 2006).
O desenvolvimento cerebral em indivíduos com TEA apresenta características distintas. Estudos com neuroimagem revelam um crescimento acelerado do cérebro nos primeiros anos de vida, incluindo aumento da substância cinzenta e branca. Esse crescimento desregulado pode resultar em um excesso de conexões sinápticas, alterando a funcionalidade das redes neurais. Além disso, análises post-mortem indicam desorganização das camadas corticais em áreas do córtex frontal, sugerindo que algumas anormalidades podem ocorrer ainda na fase fetal.
Uso Materno de Antibióticos Durante a Gestação
Pesquisas epidemiológicas analisam a relação entre o uso materno de medicamentos antes e durante a gestação e o risco de TEA na prole. Fernandes, Amato e Cardoso (2018) apontam que a exposição fetal a determinados fármacos pode influenciar processos do neurodesenvolvimento, sendo essencial avaliar os impactos dessas substâncias no período gestacional. Um estudo brasileiro revelou que o uso materno de antitérmicos, analgésicos e antibióticos antes e durante a gravidez esteve associado a um aumento na incidência de TEA. Especificamente, o uso desses medicamentos no primeiro trimestre gestacional elevou em 1,93 vezes a chance de desenvolvimento do transtorno (IC = 1,25-2,96) (SCIELO, 2021). No entanto, após ajustes para variáveis como sexo da criança e idade dos pais, a relação entre o uso de antibióticos e o TEA não se manteve estatisticamente significativa, sugerindo que outros fatores podem influenciar essa associação.
Por outro lado, um estudo publicado no British Medical Journal analisou mais de 1,9 milhão de crianças e não encontrou evidências de que a exposição a antibióticos durante a gravidez ou nos primeiros seis meses de vida esteja associada ao aumento do risco de TEA, deficiência intelectual, distúrbios de linguagem ou epilepsia (BIBLIOMED, 2023).
Uso Paterno de Antibióticos
A literatura científica sobre o impacto do uso de antibióticos pelos pais antes da concepção no risco de TEA em seus filhos ainda é limitada. O estudo brasileiro anteriormente mencionado não encontrou associação significativa entre o uso paterno de tabaco, álcool ou drogas ilícitas antes da gestação e o TEA (SCIELO, 2021). Contudo, pesquisas específicas sobre o uso paterno de antibióticos e sua relação com o transtorno são escassas, evidenciando a necessidade de estudos adicionais.
Considerações Finais
A conclusão resume bem os principais achados, mas poderia ser fortalecida com uma discussão mais robusta sobre implicações clínicas e direções futuras para pesquisa.
Diante das evidências apresentadas, recomenda-se que profissionais de saúde adotem uma abordagem mais criteriosa no uso de antibióticos durante a gestação e na infância, priorizando alternativas seguras sempre que possível. Políticas de saúde pública devem considerar a regulamentação mais rigorosa do uso de antibióticos, especialmente no contexto pediátrico, visando minimizar os impactos adversos sobre o neurodesenvolvimento infantil.
Além disso, há uma lacuna na literatura quanto à compreensão detalhada dos mecanismos pelos quais os antibióticos podem influenciar o TEA. Estudos futuros devem investigar, por meio de ensaios clínicos e pesquisas translacionais, as interações entre a microbiota intestinal, o sistema imunológico e o desenvolvimento cerebral, permitindo um melhor embasamento científico para a tomada de decisões clínicas e políticas de saúde.
Referências
American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). Washington, DC: APA.
BIBLIOMED. Uso de antibióticos na gravidez e primeira infância não aumenta risco de autismo, diz estudo. Bibliomed News, 2023. Disponível em: https://www.bibliomed.com.br/news/index/13237/. Acesso em: 04 fev. 2025.
Brown, A. S., & Derkits, E. J. (2010). Prenatal infection and schizophrenia: a review of epidemiologic and translational studies. American Journal of Psychiatry, 167(3), 261-280. [DOI: 10.1176/appi.ajp.2009.09030361]
De Rubeis, S., He, X., Goldberg, A. P., Poultney, C. S., Samocha, K., Cicek, A. E., … & Buxbaum, J. D. (2014). Synaptic, transcriptional and chromatin genes disrupted in autism. Nature, 515(7526), 209-215. [DOI: 10.1038/nature13772]
FERNANDES, F. D. M.; AMATO, C. A. D.; CARDOSO, C. Diagnóstico precoce e intervenção em crianças com transtorno do espectro autista. CoDAS, v. 30, n. 1, p. 1-9, 2018. DOI: 10.1590/2317-1782/20182018033.
Reichenberg, A., Gross, R., Weiser, M., Bresnahan, M., Silverman, J., Harlap, S., … & Malaspina, D. (2006). Advancing paternal age and autism. Archives of General Psychiatry, 63(9), 1026-1032. [DOI: 10.1001/archpsyc.63.9.1026]
Rossignol, D. A., Genuis, S. J., & Frye, R. E. (2014). Environmental toxicants and autism spectrum disorders: a systematic review. Translational Psychiatry, 4(2), e360. [DOI: 10.1038/tp.2014.4]
Sandin, S., Lichtenstein, P., Kuja-Halkola, R., Larsson, H., Hultman, C. M., & Reichenberg, A. (2017). The heritability of autism spectrum disorder. JAMA, 318(12), 1182-1184. [DOI: 10.1001/jama.2017.12141]
Satterstrom, F. K., Kosmicki, J. A., Wang, J., Breen, M. S., De Rubeis, S., An, J. Y., … & Buxbaum, J. D. (2020). Large-scale exome sequencing study implicates both developmental and functional changes in the neurobiology of autism. Cell, 180(3), 568-584. [DOI: 10.1016/j.cell.2019.12.036]
SCIELO. Uso de medicamentos pela mãe antes e durante a gestação e o risco de TEA na prole. Ciência & Saúde Coletiva, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/rxTyjTD7ZYL4bDcgBdXgMmp/. Acesso em: 04 fev. 2025.

Autor - Petter Anderson Lopes
Consultor em Neurociência do Comportamento Humano | Saúde Mental e Terapia
Especialista em Neurociência e Comportamento (Pós-Graduado (Latu Sensu)), Especialista em Farmacologia Clínica Baseada em Evidência (Pós-Graduado (Latu Sensu)), Especialista em Psicanálise (Pós-Graduado (Latu Sensu)), e diversas formações nas áreas de tecnologia da informação, investigação e assuntos relacionados ao comportamento e conduta humana.
Autor, Professor e Pesquisador com foco em Neurociência do Comportamento e Neurotecnologia.
Livros recentes:
DARK TRIAD – A TRÍADE SOMBRIA DA PERSONALIDADE
Quem é você? A Neurociência por Trás da Personalidade, Muito além da superfície