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DOR NEUROPÁTICA E AVALIAÇÃO HORMONAL: UMA ABORDAGEM CLÍNICA E BASEADA EM EVIDÊNCIAS

 

Resumo

A dor neuropática é um fenômeno clínico complexo, resultante de lesões ou disfunções no sistema nervoso somatossensorial. Este artigo revisa os mecanismos fisiopatológicos da dor neuropática, abordando sua relação com alterações hormonais, particularmente em pacientes idosos. A literatura sugere que hormônios como vitamina D, cortisol, hormônios tireoidianos, hormônio do crescimento e insulina desempenham um papel crucial na modulação da dor e na regeneração neuronal. Dessa forma, a avaliação hormonal deve ser incorporada à prática clínica no manejo de pacientes com dor neuropática crônica.

Palavras-chave: dor neuropática, hormônios, sistema nervoso, neuroinflamação, endocrinologia.

1. Introdução

A dor neuropática ocorre quando há uma “lesão no nervo, geralmente devido a isquemia, inflamação ou dano químico” (AMBRON, 2022, p. 90). A dor neuropática é definida como uma dor originada por uma lesão ou doença que afeta o sistema somatossensorial, sendo frequentemente caracterizada por hiperalgesia, alodinia e parestesias (Goodman & Gilman, 2021). Diferente da dor nociceptiva, que resulta da ativação de receptores específicos para estímulos dolorosos, a dor neuropática decorre de um processo patológico nos próprios nervos.

De forma direta, segundo Ambron (2022, p. 90):

“A dor neuropática ocorre devido a uma interrupção dos axônios aferentes e eferentes dentro de um nervo. O influxo de cálcio no local da lesão ativa enzimas, levando à hiperexcitabilidade neuronal. O desenvolvimento de neuromas, juntamente com a sensibilização dos receptores periféricos, resulta em dor espontânea e exacerbada.”

Diversos fatores influenciam a perpetuação da dor neuropática, incluindo inflamação crônica, disfunções metabólicas e alterações hormonais. Em pacientes idosos, a redução da capacidade de regeneração nervosa pode estar relacionada a um desbalanço hormonal, o que sugere a importância de uma abordagem integrativa que contemple a avaliação de biomarcadores hormonais (Rang & Dale, 2020).

2. Mecanismos Fisiopatológicos da Dor Neuropática

A fisiopatologia da dor neuropática envolve hiperexcitabilidade neuronal, desmielinização e inflamação neurogênica. A ativação persistente de micróglia e astrócitos resulta na liberação de mediadores inflamatórios, como citocinas pró-inflamatórias e substância P, que contribuem para a sensibilização central e periférica (Katzung, 2021).

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Figura 1 – Modulação descendente da dor, Adaptação de Ambron (2022, p. 113).

A figura 1 representa a modulação descendente da dor no sistema nervoso central, destacando os circuitos neurais que regulam a transmissão de sinais nociceptivos na medula espinhal. O esquema ilustra as conexões entre o cinza periaquedutal (PAG) no mesencéfalo, os neurotransmissores envolvidos e os neurônios da medula espinhal.

Descrição Detalhada

  1. Organização Geral:
    • O diagrama está dividido entre o sistema nervoso periférico (PNS) e o sistema nervoso central (CNS), com a medula espinhal, tronco encefálico e tálamo como componentes principais.
    • A entrada sensorial vem do dermatomo e segue pelo processo periférico do neurônio nociceptivo primário até a raiz dorsal da medula espinhal, onde faz sinapse com o neurônio nociceptivo de segunda ordem.
  2. Via Ascendente:
    • O neurônio nociceptivo secundário projeta-se para o tálamo (via pontilhada), participando da percepção da dor no córtex cerebral.
    • Uma ramificação ascendente ativa o cinza periaquedutal (PAG), um centro fundamental na modulação da dor.
  3. Modulação Descendente da Dor:
    • A ativação do PAG desencadeia vias descendentes que liberam neurotransmissores moduladores da dor:
      • Encefalina (ENK): Inibe diretamente a transmissão da dor bloqueando a sinapse entre os neurônios de primeira e segunda ordem.
      • Serotonina (5HT): Atua indiretamente na modulação da dor, influenciando os circuitos inibitórios.
      • Noradrenalina (NA): Modulador da dor com efeitos analgésicos na medula espinhal.
      • GABA (ácido gama-aminobutírico): Principal neurotransmissor inibitório, reduzindo a excitação dos neurônios nociceptivos.
  4. Mecanismo de Analgesia:
    • A ativação dessas vias resulta na inibição da transmissão do sinal doloroso, promovendo analgesia.
    • A encefalina, em particular, atua como um inibidor pré-sináptico, impedindo que os sinais nociceptivos sejam transmitidos para níveis superiores do SNC.
  5. Conexões com Circuitos Corticais:
    • O cinza periaquedutal recebe influências de circuitos cerebrais superiores, incluindo áreas envolvidas na regulação do humor e do estado emocional. Isso indica que a percepção da dor pode ser influenciada por fatores emocionais e cognitivos.

Este diagrama evidencia a complexidade da modulação da dor pelo SNC, mostrando que a dor não é um evento apenas periférico, mas altamente regulado por redes neurais superiores. Ele também explica porque estratégias como opioides, antidepressivos e mindfulness podem alterar a percepção da dor, pois interagem com os neurotransmissores e circuitos envolvidos na modulação descendente da nocicepção.

A imagem a seguir representa uma sinapse modulada por vias descendentes no sistema nociceptivo, detalhando o papel de neurotransmissores como encefalina (ENK), serotonina (5HT), noradrenalina (NorAd) e ácido gama-aminobutírico (GABA) na regulação da transmissão da dor.

Figura 2 – Sinapse entre o neurônio nociceptivo primário e o neurônio nociceptivo secundário, Adaptação de Ambron (2022, p. 115).

A figura 2 mostra uma sinapse entre o neurônio nociceptivo primário e o neurônio nociceptivo secundário, destacando os seguintes elementos:

1. Terminal Pré-Sináptico (Presynaptic)

  • Neurônio de primeira ordem nociceptivo.
  • Contém vesículas sinápticas cheias de glutamato (Glu) e substância P (Sub-P), dois neurotransmissores envolvidos na transmissão do sinal doloroso.
  • A liberação desses neurotransmissores ocorre na fenda sináptica e ativa os receptores pós-sinápticos no neurônio de segunda ordem nociceptivo.

2. Neurotransmissores Moduladores Descendentes

  • Encefalina (ENK) e GABA:
    • Atuam inibindo a liberação de glutamato e substância P na sinapse, diminuindo a excitabilidade do neurônio de segunda ordem.
    • O ENK se liga a receptores opióides e impede a transmissão do sinal doloroso.
    • O GABA tem um efeito inibitório direto sobre o neurônio pré-sináptico.
  • Serotonina (5HT) e Noradrenalina (NorAd):
    • Moduladores excitatórios que regulam a transmissão sináptica.
    • A serotonina (5HT) pode facilitar ou inibir a dor dependendo dos receptores ativados.
    • A noradrenalina (NorAd) frequentemente atua reduzindo a liberação de glutamato.

3. Receptores Pós-Sinápticos

  • Receptores AMPA (AMPAr) e NMDA (NMDAr):
    • São ativados por glutamato, promovendo a entrada de íons sódio (Na⁺) na célula pós-sináptica.
    • A ativação do receptor NMDA também depende da remoção de íons magnésio (Mg²⁺) do canal, permitindo a entrada de cálcio e ativação de quinases que fortalecem a transmissão sináptica.

Mecanismo de Modulação da Dor

  1. Excitação Normal: Em condições normais, o estímulo doloroso ativa o neurônio nociceptivo primário, que libera glutamato e substância P para ativar o neurônio secundário na medula espinhal.
  2. Modulação Descendente: Neurônios do tronco encefálico liberam neurotransmissores moduladores (GABA, ENK, 5HT, NorAd) que inibem ou modulam a transmissão da dor.
  3. Efeito Inibitório: A ativação dos receptores de GABA e ENK reduz a liberação de substância P e glutamato, impedindo a ativação dos receptores NMDA/AMPA no neurônio pós-sináptico.
  4. Plasticidade e Sensibilização: Se a sinapse é ativada repetidamente sem modulação inibitória, pode ocorrer uma hiperexcitação do neurônio pós-sináptico, levando à sensibilização central e contribuindo para condições de dor crônica.

Adicionalmente, a plasticidade neuronal aberrante pode ser impulsionada por fatores metabólicos e endócrinos. O controle hormonal da dor envolve a modulação de neurotransmissores excitatórios e inibitórios, sendo um fator determinante na cronicidade da dor neuropática (Brunton, 2021).

Síndrome de Dor Regional e a Matriz da Dor

A Síndrome de Dor Regional Complexa (CRPS) e a dor neuropática estão intimamente relacionadas, pois ambas envolvem disfunções no sistema nervoso que resultam em dor crônica. No entanto, enquanto a dor neuropática é um termo amplo que descreve qualquer dor resultante de lesão ou disfunção nos nervos periféricos ou no sistema nervoso central, o CRPS é um subtipo específico de dor neuropática com características autonômicas e inflamatórias adicionais.

O Complex Regional Pain Syndrome (CRPS), ou Síndrome de Dor Regional, está inserido no contexto da dor crônica, um estado patológico caracterizado por dor persistente que pode ser desencadeada por uma lesão inicial, mas que persiste além do período esperado de recuperação. Segundo Ambron (2022), a dor crônica, incluindo o CRPS, está associada a alterações na pain matrix (matriz da dor), que envolve circuitos neurais distribuídos por diversas áreas do cérebro.

A pain matrix consiste em interconexões entre regiões do córtex e módulos no sistema afetivo e somatossensorial, formando a neuromatrix. Dentro dessa matriz, diferentes áreas do cérebro desempenham papéis essenciais na percepção e regulação da dor. Estudos de neuroimagem demonstram que pacientes com dor crônica, incluindo aqueles com CRPS, apresentam atividade aumentada nessas regiões, indicando uma disfunção na modulação da dor. Segundo Ambron (2022, p. 170):

“A matriz da dor consiste em interconexões entre regiões do córtex e módulos no sistema afetivo e somatossensorial que formam a neuromatriz. Neurônios no hipotálamo ativam o sistema nervoso autônomo, que controla as respostas do corpo à dor, como caretas, lacrimejamento ou sudorese.”

As principais áreas envolvidas incluem:

  • Córtex Insular (IC): envolvido na percepção emocional da dor e na integração de sinais autonômicos;
  • Córtex Pré-frontal (PFC): relacionado à intensidade da dor e ao processamento cognitivo do sofrimento;
  • Córtex Cingulado Anterior (ACC): ativado pela atenção à dor e associado à percepção de sofrimento;
  • Amígdala: implicada na associação entre dor e medo, contribuindo para o componente emocional da experiência dolorosa.

A distinção entre dor persistente e dor crônica é fundamental para compreender o CRPS. A dor persistente é uma resposta normal a uma lesão, como após cirurgias ou traumas, e tende a se resolver em poucos dias ou semanas. Já a dor crônica, como no CRPS, persiste por três meses ou mais e pode ser desencadeada por estímulos mínimos, como um toque leve (alodinia), ou ocorrer espontaneamente (hiperalgesia). Além disso, a dor crônica pode se manter sem uma causa física evidente, o que sugere um papel central das alterações na matriz da dor (AMBRON, 2022).

A ativação anormal das conexões entre o IC, PFC, ACC e amígdala no CRPS sugere que os tratamentos eficazes devem ir além da abordagem convencional baseada apenas em analgésicos. Segundo Ambron (2022, p. 171):

“A boa notícia é que estudos de imagem de pacientes que sofrem de dor lombar crônica ou fibromialgia indicam que a dor é devida a uma atividade anormal em um ou mais dos circuitos neurais na matriz da dor.”

Isso indica que intervenções como neuromodulação, estimulação da medula espinhal e terapias comportamentais (como a terapia cognitivo-comportamental) podem ajudar a reverter essas alterações cerebrais e melhorar os sintomas.

Assim, o CRPS exemplifica como a dor pode se tornar uma condição autônoma, sustentada por alterações plásticas nos circuitos cerebrais, e requer abordagens multidisciplinares para seu manejo adequado.

A dor neuropática resulta de danos diretos aos nervos ou de um processamento anormal dos sinais nociceptivos pelo sistema nervoso. Suas principais características incluem:

  • Alodinia (dor causada por estímulos normalmente inofensivos, como um toque leve).
  • Hiperalgesia (resposta exagerada a estímulos dolorosos).
  • Dor em queimação, formigamento ou sensação de choque elétrico.
  • Persistência da dor após a cura da lesão inicial devido a sensibilização neuronal.

Por outro lado, o CRPS pode ser classificado como um subtipo de dor neuropática complexa, pois apresenta disfunções no sistema nervoso periférico e central, mas também inclui alterações autonômicas, inflamatórias e tróficas, como:

  • Edema e alterações vasomotoras (pele vermelha ou pálida, sudorese alterada).
  • Atrofia muscular e óssea (fraqueza e afinamento dos ossos devido à imobilização prolongada).
  • Tremores e distonia (movimentos involuntários na região afetada).

2. Relação Neurofisiológica

A dor neuropática, incluindo o CRPS, envolve mudanças na plasticidade neural e sensibilização central, afetando a transmissão da dor e a regulação autonômica:

  1. Sensibilização Periférica: No CRPS, os nervos periféricos lesionados se tornam hiperexcitáveis, liberando substância P e glutamato, que amplificam a transmissão da dor.
  2. Sensibilização Central: O sistema nervoso central, especialmente a matriz da dor (envolvendo o córtex insular, o córtex cingulado anterior e a amígdala), se torna hiperativo, levando a dor persistente mesmo sem um estímulo externo.
  3. Disfunção do Sistema Nervoso Simpático: O CRPS se distingue de outras dores neuropáticas pelo papel do sistema nervoso simpático, que pode manter a dor por meio de vasoconstrição e liberação de catecolaminas, perpetuando inflamação e isquemia nos tecidos.

3. Diagnóstico Diferencial

Embora o CRPS seja um tipo de dor neuropática, ele se diferencia de outras condições neuropáticas, como neuropatia diabética ou neuralgia pós-herpética, devido à presença de disfunção autonômica e alterações tróficas.

CaracterísticaDor Neuropática GeralSíndrome de Dor Regional Complexa (CRPS)
CausaLesão nervosa diretaTrauma, cirurgia, imobilização
AlodiniaSimSim
HiperalgesiaSimSim
Inflamação crônicaNão necessariamenteSim
Alterações autonômicasRarasComuns (sudorese, cor da pele)
Alterações tróficasPouco frequentesComuns (atrofia muscular/óssea)

4. Implicações Terapêuticas

Ambas as condições compartilham tratamentos semelhantes, como antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes e estimulação da medula espinhal, mas o CRPS exige abordagens adicionais para tratar as disfunções autonômicas e motoras:

  • Bloqueios do sistema nervoso simpático (utilizados no CRPS).
  • Terapia com espelho (reprogramação do cérebro para reduzir a dor associada ao CRPS).
  • Estimulação transcutânea do nervo (TENS) para modular a transmissão da dor.

A dor neuropática e o CRPS compartilham mecanismos subjacentes, mas o CRPS é um subtipo mais complexo devido à presença de disfunção autonômica e alterações tróficas. Isso faz com que sua abordagem terapêutica precise ser mais abrangente, combinando intervenções farmacológicas, fisioterapêuticas e neuromodulatórias para restaurar a funcionalidade do paciente.

3. Avaliação Hormonal na Dor Neuropática

A dor neuropática é uma condição complexa resultante de danos ou disfunções no sistema nervoso somatossensorial, sendo frequentemente modulada por fatores hormonais. Alterações nos níveis de determinados hormônios podem influenciar a sensibilização neuronal, a neuroinflamação e a regeneração das fibras nervosas. Estudos demonstram que a regulação adequada dos hormônios pode desempenhar um papel fundamental no manejo da dor neuropática, especialmente em populações vulneráveis, como idosos e pacientes com doenças metabólicas (GOODMAN; GILMAN, 2021). A seguir, são discutidos os principais hormônios envolvidos na modulação da dor neuropática.

3.1 Vitamina D

A vitamina D tem uma função essencial na homeostase do cálcio, na neuroproteção e na modulação da inflamação (RANG; DALE, 2020). Estudos sugerem que a deficiência dessa vitamina está associada a uma maior prevalência de dor crônica e a um aumento da excitabilidade neuronal, o que pode amplificar os mecanismos de hiperalgesia e alodinia (TORTORA; DERRICKSON, 2020). Além disso, a vitamina D desempenha um papel crítico na inibição da produção de citocinas pró-inflamatórias, como a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α), que estão frequentemente elevados em pacientes com dor neuropática (HOLICK, 2017).

3.2 Cortisol

O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) regula a resposta ao estresse e à inflamação por meio da liberação de glicocorticoides, sendo o cortisol o principal hormônio envolvido (GOODMAN; GILMAN, 2021). Em pacientes com dor neuropática crônica, observa-se frequentemente uma disfunção na secreção de cortisol, resultando em uma resposta inadequada ao estresse inflamatório e contribuindo para a perpetuação do quadro doloroso (SILVERTHORN, 2019). Além disso, níveis elevados e prolongados de cortisol podem levar à atrofia neuronal e a uma maior sensibilização central, exacerbando a dor neuropática (FREEMAN et al., 2016).

3.3 Hormônios Tireoidianos

Os hormônios tireoidianos, principalmente a triiodotironina (T3) e a tiroxina (T4), são fundamentais para a homeostase metabólica e a regeneração neuronal (KATZUNG, 2021). A disfunção tireoidiana, como no hipotireoidismo, pode contribuir para a neuropatia periférica devido à redução da velocidade de condução nervosa e ao aumento do estresse oxidativo nas células nervosas (BRUNTON, 2021). Pacientes com hipotireoidismo não tratado podem apresentar sintomas como parestesias e fraqueza muscular, indicando a importância da triagem hormonal em indivíduos com dor neuropática persistente (GARDNER; SHOBACK, 2018).

3.4 Hormônio do Crescimento e IGF-1

O hormônio do crescimento (GH) e o fator de crescimento insulina-símile 1 (IGF-1) desempenham um papel crítico na plasticidade neuronal e na regeneração de nervos periféricos (GRENSPAN; GARDNER, 2018). Evidências sugerem que a deficiência desses hormônios pode estar associada a uma maior incidência de dor neuropática, especialmente em populações idosas (BRUNTON, 2021). O IGF-1 atua na modulação da neuroinflamação, promovendo a sobrevivência neuronal e a reparação de danos axonais (SILVERTHORN, 2019). Assim, a avaliação dos níveis de GH e IGF-1 pode ser relevante no contexto da dor neuropática associada a doenças endócrinas.

3.5 Insulina e Metabolismo Glicêmico

A insulina é essencial para a homeostase glicêmica e a integridade do sistema nervoso periférico. A resistência à insulina e a hiperglicemia crônica estão diretamente associadas à neuropatia diabética, uma das formas mais prevalentes de dor neuropática (KATZUNG, 2021). O excesso de glicose circulante promove a glicação de proteínas neuronais e aumenta o estresse oxidativo, resultando em danos às fibras nervosas e disfunção na transmissão sináptica (TURNER et al., 2018). O controle rigoroso da glicemia é essencial para a prevenção e o tratamento da dor neuropática em pacientes diabéticos (WINTER et al., 2021).

4. Implicações Clínicas e Tratamento

A inclusão da avaliação hormonal no manejo da dor neuropática pode proporcionar abordagens terapêuticas mais precisas e individualizadas. O reconhecimento de deficiências hormonais permite intervenções direcionadas, reduzindo a sensibilização central à dor e otimizando a resposta aos tratamentos convencionais. Entre os fármacos de primeira linha para a dor neuropática, destacam-se os anticonvulsivantes, como a gabapentina e a pregabalina, que atuam na modulação dos canais de cálcio dependentes de voltagem, e os antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina, que inibem a recaptação de serotonina e noradrenalina, aumentando a inibição descendente da dor (GOODMAN; GILMAN, 2021).

Além do tratamento farmacológico, estratégias terapêuticas complementares têm ganhado destaque na modulação da dor neuropática. A reposição de vitamina D, por exemplo, tem sido associada a uma redução na excitabilidade neuronal e na neuroinflamação, resultando em melhora dos sintomas dolorosos (HOLICK, 2017). Da mesma forma, a modulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), por meio da regulação dos níveis de cortisol, pode ser uma estratégia relevante para reduzir a hipersensibilidade central e melhorar a tolerância à dor em pacientes com disfunção desse eixo (TURNER et al., 2018).

A literatura também destaca o impacto positivo da reposição de hormônios tireoidianos em pacientes com neuropatia periférica secundária ao hipotireoidismo. A normalização dos níveis de triiodotironina (T3) e tiroxina (T4) pode favorecer a regeneração neuronal e reduzir a dor neuropática associada à disfunção tireoidiana (KATZUNG, 2021). Da mesma forma, a administração de hormônio do crescimento (GH) e do fator de crescimento insulina-símile 1 (IGF-1) tem demonstrado potencial neuroprotetor, auxiliando na recuperação das fibras nervosas danificadas e na plasticidade neuronal (BRUNTON, 2021).

Outro aspecto fundamental no manejo da dor neuropática é o controle do metabolismo glicêmico. A resistência à insulina e a hiperglicemia crônica são fatores centrais na neuropatia diabética, sendo que o controle glicêmico adequado pode retardar a progressão da doença e reduzir a severidade dos sintomas dolorosos (WINTER et al., 2021).

Por fim, o tratamento da dor neuropática deve ser multidisciplinar, integrando endocrinologia, neurologia, fisioterapia e outras especialidades médicas. Estratégias como terapia cognitivo-comportamental, reabilitação física e estimulação elétrica transcutânea (TENS) têm demonstrado eficácia na redução da dor e na melhora da qualidade de vida desses pacientes (SILVERTHORN, 2019). A colaboração entre diferentes áreas da saúde possibilita um manejo mais abrangente e personalizado, contribuindo para melhores desfechos clínicos em pacientes com dor neuropática crônica.

5. Conclusão

A dor neuropática é uma condição multifatorial que envolve mecanismos fisiopatológicos complexos, incluindo neuroinflamação, sensibilização neuronal e disfunções hormonais. A crescente compreensão do papel dos hormônios na modulação da dor evidencia a importância da avaliação hormonal no manejo clínico dessa condição. Deficiências em vitamina D, alterações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, disfunções tireoidianas, déficits de hormônio do crescimento e resistência à insulina podem amplificar a sensibilização à dor e comprometer a regeneração neuronal.

Dessa forma, a inclusão da endocrinologia no tratamento da dor neuropática permite abordagens terapêuticas mais precisas e individualizadas, contribuindo para uma resposta mais eficaz aos tratamentos convencionais, como anticonvulsivantes e antidepressivos tricíclicos. Além disso, estratégias complementares, como a reposição de vitamina D, a modulação do eixo HHA e a estabilização do metabolismo glicêmico, demonstram potencial terapêutico na redução da dor e na melhora da qualidade de vida dos pacientes.

O manejo da dor neuropática deve, portanto, ser conduzido de maneira interdisciplinar, integrando neurologia, endocrinologia, fisioterapia e reabilitação, a fim de abordar os múltiplos fatores envolvidos na perpetuação da dor. A personalização das estratégias terapêuticas, baseada na avaliação hormonal, representa uma perspectiva promissora para otimizar os desfechos clínicos e minimizar o impacto da dor neuropática na funcionalidade e bem-estar dos pacientes.

Referências

BRUNTON, L. L. Goodman & Gilman’s: The Pharmacological Basis of Therapeutics. 13. ed. New York: McGraw-Hill, 2021.

FREEMAN, R. et al. Autonomic Dysfunction and Chronic Pain Syndromes: Pathophysiology, Evaluation, and Management. New York: Springer, 2016.

GARDNER, D. G.; SHOBACK, D. Greenspan’s Basic & Clinical Endocrinology. 10. ed. New York: McGraw-Hill, 2018.

GOODMAN, L. S.; GILMAN, A. As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2021.

HOLICK, M. F. Vitamin D: Physiology, Molecular Biology, and Clinical Applications. 2. ed. New York: Humana Press, 2017.

KATZUNG, B. G. Farmacologia Básica e Clínica. 15. ed. Porto Alegre: AMGH, 2021.

RANG, H. P.; DALE, M. M. Rang & Dale’s Pharmacology. 9. ed. Edinburgh: Elsevier, 2020.

SILVERTHORN, D. U. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.

TURNER, H. E. et al. Oxford Desk Reference: Endocrinology. Oxford: Oxford University Press, 2018.

WINTER, W. E. et al. Handbook of Diagnostic Endocrinology. 3. ed. London: Academic Press, 2021.

Autor - Petter Anderson Lopes

Autor - Petter Anderson Lopes

Consultor em Neurociência do Comportamento Humano | Saúde Mental e Terapia

Especialista em Neurociência e Comportamento (Pós-Graduado (Latu Sensu)), Especialista em Farmacologia Clínica Baseada em Evidência (Pós-Graduado (Latu Sensu)), Especialista em Psicanálise (Pós-Graduado (Latu Sensu)), e diversas formações nas áreas de tecnologia da informação, investigação e assuntos relacionados ao comportamento e conduta humana.

Autor, Professor e Pesquisador com foco em Neurociência do Comportamento e Neurotecnologia.

Livros recentes:

DARK TRIAD – A TRÍADE SOMBRIA DA PERSONALIDADE

Quem é você? A Neurociência por Trás da Personalidade, Muito além da superfície